terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Regras adiadas pelo BC mudariam rumo do Panamericano

Resolução do Conselho Monetário, que vem tendo a vigência postergada, muda a forma de contabilização das carteiras de crédito


 Nelson Rocco, iG São Paulo 07/12/2010 05:52




Uma resolução que vem tendo a entrada em vigor protelada pelo Conselho Monetário Nacional desde dezembro de 2008 poderia ter dado um destino diferente ao Banco Panamericano. A resolução 3.533, editada pelo CMN em janeiro de 2008, não evita fraudes ou quebras de bancos, mas muda a contabilização da venda de ativos de um banco para outro, ou carteiras de crédito, o que poderia ter tornado mais transparentes as contas do banco do apresentador de TV Silvio Santos.



As “inconsistências” contábeis do Panamericano, como o Banco Central (BC) classificou o rombo de R$ 2,5 bilhões, tornaram-se públicas no dia 9 de novembro, com o anúncio de aporte de capital nesse valor por meio do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), numa operação classificada como inédita, já que o dono do banco deu em garantia do empréstimo suas 44 empresas, incluindo a rede de TV SBT.



A fraude cometida pelos executivos que comandavam o Panamericano ainda não foi desvendada. O Ministério Público trabalha no esclarecimento do caso. O BC informou, na época, que a fraude envolvia a venda de carteiras de crédito, sem a devida baixa nos ativos do banco, além de irregularidades em operações com cartões de crédito.



A venda de carteiras é comum entre instituições financeiras. Tornou-se mais freqüente com o agravamento da crise financeira internacional, após a quebra do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, em meio a uma série de medidas tomadas pelo BC para irrigar o sistema financeiro e evitar quebras locais.



Velocidade reduzida

A maioria dos bancos usa essa antecipação de recursos, representada pela venda de uma carteira de crédito, para crescer, segundo Luiz Miguel Santacreu, analista de bancos da agência classificadora de risco Austing Rating. “A nova norma (introduzida pela resolução 3.533) faria com que a velocidade de crescimento dos bancos diminuísse. E eles teriam de buscar recursos de outras formas para elevar o capital para poder emprestar mais”, diz o analista da Austin.


“A antecipação de receitas com a venda de carteiras é um energético legal”, critica um analista de banco, que pediu para não ser citado, já que a instituição em que trabalha atua tanto na compra como na venda de carteiras.



“A fraude no Panamericano foi montada ao longo dos anos, desde a abertura de capital”, conta o dono de um banco de médio porte, que não quer se identificar. “Como o banco lançou ações no mercado, tinha de mostrar lucro a todo o custo para não decepcionar os acionistas. Por isso, eles abusaram da venda de carteiras”, diz o banqueiro.



O Panamericano abriu o capital em novembro de 2007, com uma oferta primária de ações, em que os recursos captados ficam no caixa da instituição, não vão para os acionistas controladores. Na época, o banco captou R$ 700 milhões, com papéis vendidos a 3.214 acionistas nacionais e 49 estrangeiros. Embora os investidores internacionais representassem a minoria entre os novos acionistas do banco, eles ficaram com 69% do valor da oferta, ou seja, R$ 483 milhões.




Risco

A resolução determina que os bancos estabeleçam entre si um grau de comprometimento de quem compra e quem vende uma carteira. “Se houver qualquer problema, é preciso esclarecer se o risco é de quem compra ou de quem vende a carteira”, afirma Santacreu. As carteiras passam a ser vendidas (e compradas) sem ou com transferência substancial de risco. Ou seja, quem vende se compromete a pagar uma parte dos créditos ruins, em dinheiro, e até a recomprar a carteira toda, no caso da classificação da operação como “retenção substancial de riscos”. “O banco que cede a carteira é obrigado a participar do problema, se houver. Ele terá de fazer uma provisão para essa carteira vendida.”



A nova norma também muda a contabilização das operações de venda de carteiras. Hoje, um banco que vende um ativo e automaticamente realiza ganhos. As carteiras de créditos são contabilizadas no ativo dos bancos. Quando são vendidas, saem do ativo e o dinheiro referente à venda entra no caixa da instituição. Além disso, há uma contrapartida na conta de receita, já que o banco vendeu um crédito. “Se houver alguma contrapartida, ela gera anotações na conta de compensação”, diz o analista da Austin.



Com a resolução 3.533, os bancos que se comprometerem a honrar um percentual da carteira têm de manter essa parcela no ativo e lançar no passivo o dinheiro que receberam pela carteira e não mais diretamente no caixa. “Com o tempo, como as parcelas vão sendo pagas, o banco vai dando baixa nos lançamentos tanto no ativo como no passivo e jogando no caixa”, explica o analista. “O banco contabiliza a receita na medida em que o dinheiro vai entrando.”



Segundo Santacreu, em outros países, os bancos usam esse diferimento (adiamento) de receita em casos de vendas de carteiras. “Você não pode lançar um resultado que ainda não aconteceu. Esse é o regime de competência na contabilidade. No exterior, os bancos fazem o lançamento ao longo do vencimento” das parcelas de uma carteira.



Dois adiamentos

A resolução 3.533 foi tomada pelo CMN em janeiro de 2008, com entrada prevista em vigor em janeiro do ano seguinte, exatamente espelhando o modelo de contabilidade internacional. A entrada em vigor das novas regras sofreu dois adiamentos pelo CMN, para janeiro de 2011 e, depois, para janeiro de 2012.



Procurados pela reportagem do iG, por meio da assessoria de imprensa, nenhum técnico do BC explicou o adiamento. Por meio de nota, o BC informou que a postergação deve-se, primeiramente, ao “recrudescimento da crise financeira internacional” e, em uma segunda etapa, ao processo de revisão das normas contábeis internacionais pelo International Accounting Standards Board (Iasb), o órgão que dita as regras mundiais de contabilidade.



Segundo a nota do BC, a “Resolução 3.533 estabelece que a instituição financeira deverá analisar se os riscos e benefícios da operação são retidos ou transferidos. Caso os riscos e benefícios sejam retidos, a instituição manterá as operações de crédito em seu ativo. Caso tais riscos e benefícios sejam efetivamente transferidos, o registro é realizado como venda definitiva, observando as regras hoje em vigor para venda definitiva”.



O Banco Central informa que “pela regra ainda em vigor (Circular 2.568, de 1995), as operações de cessão de créditos, com ou sem coobrigação ou outra forma de retenção do risco, são todas tratadas como vendas definitivas. A instituição cedente procede à baixa dos créditos do seu ativo e apura imediatamente ganho ou perda na operação. Em contrapartida, a instituição cessionária registra os créditos em seu ativo”.




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FONTE: IG ECONOMIA - MERCADOS

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