quinta-feira, 3 de março de 2011

Renda per capita do brasileiro ultrapassa US$ 10 mil em 2010

Em 14 anos, Brasil dobrou o PIB per capita e alcançou patamar histórico, mas nem ricos nem pobres têm muito o que comemorar

Klinger Portella, iG São Paulo | 03/03/2011 10:31
 

Foto: Bruno Zanardo/Fotoarena
A auxiliar de limpeza Janaína Aragão: renda anual de US$ 10 mil só "daqui a 50 anos"

A auxiliar de limpeza Janaína Aragão, 20 anos, nunca sonhou com um salário anual de US$ 10 mil. Funcionária de um condomínio em Osasco, região da Grande São Paulo, ela divide os R$ 598 que ganha por mês para ajudar a sustentar duas casas: a que mora com o pai e uma irmã, em São Paulo, e a que mora sua filha, de 2 anos, com a mãe e outros cinco irmãos, na Bahia. “O dinheiro nunca dá”, diz, com a voz embargada.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgados nesta quinta-feira, mostram que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita - resultado da divisão entre as riquezas produzidas por um país e sua população – do Brasil chegou a R$ 19.016 em 2010, o equivalente a US$ 10.237. Foi a primeira vez na história que a renda per capita do brasileiro ultrapassou a casa dos US$ 10 mil anuais – o que corresponderia a um salário mensal de cerca de R$ 1,4 mil.

Ainda não na história de Janaína, que vê o patamar médio do brasileiro como “uma coisa muito longe”. “Com US$ 10 mil daria para comprar um monte de coisa. Tipo, uma casa... eu daria entrada em uma casa”, diz ela, que hoje paga R$ 230 de aluguel na casa onde mora.

A renda per capita do brasileiro

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Fonte: Ipeadata

Não é somente nas camadas mais baixas de renda que há essa percepção de distanciamento do PIB per capita. A auxiliar administrativa Ana Cristina Ribeiro, 26 anos, diz que o aumento da renda per capita do brasileiro não corresponde à sua realidade. Com salário de R$ 1,1 mil mensais – que a coloca na chamada “nova classe média” – Ana Cristina diz que a renda de US$ 10 mil anuais está “distante da realidade”. “O meu dia a dia é trabalhar duro para receber uma ‘merreca’ no fim do mês.”

Quando começou a trabalhar, há 12 anos, na mesma emissora de rádio onde está até hoje, Ana Cristina recebia R$ 300 mensais como telefonista. Há seis anos atuando como assistente de produção, Ana Cristina vê seus rendimentos subirem cerca de 5% ao ano, por conta do dissídio. “O salário aumenta, mas as outras coisas sobem absurdamente. A gente nem sente o aumento do salário.”

Com gastos de R$ 250 com aluguel e as despesas básicas como água, luz e alimentação, a auxiliar administrativa não consegue fazer poupança. “O sentimento que eu tenho é de revolta mesmo”, afirma. “Eu quero fazer um curso de inglês, mas não consigo. As minhas contas são prioridade.”

Ana Cristina diz que espera receber “em breve” o salário de R$ 1,4 mil, que lhe garantiria a renda anual de US$ 10 mil. “Mas, do jeito que as coisas andam, acho que isso só vai acontecer daqui a uns três ou quatro anos.”
“Não dá para nada”
Para quem já atingiu a média de ganhos do PIB per capita, o valor de US$ 10 mil não gera muitas expectativas. É o caso da universitária Michele Mendes, 22 anos, que trabalha como estagiária no departamento de recursos humanos de uma empresa que administra cartões de crédito. Ela, que mora com os pais em uma casa própria em São Paulo, diz que usaria US$ 10 mil para dar entrada no seu próprio imóvel.

Foto: Guilherme Lara Campos/Fotoarena Ampliar
Curso de inglês é sonho distante para Ana Cristina: "minhas contas são prioridade"
Mas Michele diz que o valor é insuficiente para sonhos mais altos. “Hoje, um apartamento custa, no mínimo, R$ 100 mil e um carro bom você não consegue por menos de R$ 25 mil”, compara. “Os meus gastos na Nota Fiscal Paulista chegaram a quase R$ 12 mil em um ano, então, US$ 10 mil não é tanta coisa assim”, completa.

Com renda aproximada de R$ 1,4 mil, a estudante não se permite grandes extravagâncias, mesmo nos itens mais desejados pelas mulheres, como bolsas e sapatos. “Se for de marca, pago no máximo R$ 200. Se não for de marca, R$ 100.”

Já a corretora de imóveis Deise, cujos rendimentos anuais chegam a R$ 200 mil, classifica as extravagâncias em duas categorias: o supérfluo positivo, “aquele que agrega qualidade de vida, alegria”, e o supérfluo negativo, “que é desperdício, abuso”.

Durante muitos anos de sua vida, Deise – que prefere não ter o sobrenome revelado – diz que se rendeu aos supérfluos negativos. “Eu viajava para o exterior de quatro a seis vezes por ano”, lembra. “Hoje, vivo bem sem esses exageros”, completa.

Há nove anos atuando no setor "premium" do mercado imobiliário, Deise diz que “não se faz muita coisa com US$ 10 mil”. “Na minha classe social, a gente não faz quase nada com isso. Dá para fazer uma viagem com passagem e hotel só, sem pagar tudo.” Se pudesse gastar US$ 10 mil agora, Deise diz que iria para Miami (EUA) passar o Carnaval com os amigos. “Mas, certamente, gastaria mais que isso.”

Deise diz que juntar US$ 10 mil pela primeira vez “foi custoso”. Na época, ela atuava no mercado da moda e fechou uma venda nesse valor. “Meu dinheiro não caiu do céu, foi muito difícil eu ganhar. Onde eu gasto hoje, gasto com mérito.”

O Brasil dos dez mil
Apesar das diferentes percepções sobre a renda de US$ 10 mil entre os brasileiros, o patamar alcançado no PIB per capita abre novos horizontes para a economia nos próximos anos. A marca alcançada em 2010 reflete o aumento dos rendimentos dos brasileiros, que veio acompanhada pela redução na desigualdade social e pelo surgimento de uma nova classe média, com potencial poder de consumo.

Segundo pesquisas do Instituto Data Popular, em 2010, as famílias brasileiras gastaram R$ 2,1 trilhões com consumo. A classe A e B respondeu pelo maior volume, com R$ 909 bilhões, enquanto as classes C e DE gastaram R$ 864 bilhões e R$ 329 bilhões, respectivamente.

Mas é na classe C que está o maior potencial de crescimento. Em oito anos, a participação da chamada classe média subiu de 25,77% para 41,35% do total, enquanto a classe AB viu sua fatia recuar de 58,51% para 42,88%.

Segundo projeções do governo, até 2014, 56% da população brasileira estará na classe C, o que equivale a um exército de 113 milhões de pessoas. Em 2009, eram 95 milhões de brasileiros nessa classe social.

Foto: Arquivo pessoal Ampliar
Michele: US$ 10 mil na compra da casa própria
Ao mesmo tempo em que a classe média engorda, os extratos sociais mais elevados também receberão novos integrantes. O governo espera que, até 2014, as classes A e B subam de 11% (20 milhões de pessoas) para 16% (31 milhões).

Para o professor do Departamento de Economia da Unicamp Cláudio Dedecca, a alta da renda per capita do Brasil é considerável, quando comparada ao desempenho das últimas três décadas. Ele diz que a tendência de alta abre uma janela de oportunidade para o País. “Podemos transformar socialmente o Brasil nos próximos anos, com redução da desigualdade de forma mais acentuada.”

Ele pontua, por outro lado, que o padrão de renda no mundo passou por grandes mudanças desde a década de 1970, o que minimiza o fato de o Brasil chegar ao patamar de US$ 10 mil per capita. “Nos anos 70, o Brasil tinha uma renda per capita maior que a da Coreia. Hoje, a renda deles é duas vezes maior que a nossa.”

A Coreia, que chegou aos US$ 10 mil per capita em 1995 e dobrou de patamar 12 anos mais tarde, conta hoje com uma renda de US$ 29,7 mil. Países como EUA (que chegaram aos US$ 10 mil em 1978) e Japão (US$ 10 mil em 1984) têm hoje PIB per capita de US$ 47,1 mil e US$ 33,8 mil, respectivamente.

Segundo Dedecca, o Brasil pode dobrar a renda per capita ainda nesta década, mas os desafios são grandes. “Isso exigirá uma estratégia de país, não virá gratuitamente. Coreia e Japão dobraram a renda com estratégias claras. Neste sentido, ainda estamos engatinhando. Qual é a economia que planejamos para esta década?”

A auxiliar de limpeza Janaína Aragão não tem resposta para esta pergunta, mas arriscaria um palpite para o tempo que deve levar até chegar à renda anual de US$ 10 mil. “Acho que deve demorar uns 50 anos”, diz. Esperamos que, neste caso, as contas dela estejam erradas.

FONTE: IG ECONOMIA

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