domingo, 14 de agosto de 2011

Como os problemas dos EUA afetam o Brasil

Embora pareçam distantes do cidadão médio, expressões como rating e Treasuries ameaçam grandes investidores e também gente comum

Patrick Cruz, iG São Paulo | 08/08/2011 18:06

Rating, Standard & Poor’s, nota de crédito dos Estados Unidos, AA+ e Treasuries soam como coisas de outro mundo para o cidadão comum, mas não nos enganemos: o noticiário hermético dos últimos dias tem, sim, muita relação com a vida dos brasileiros, sejam eles grandes investidores dos mercados financeiros, cidadãos comuns, que hoje checaram se estavam no novo lote de restituição do Imposto de Renda, ou mesmo os que não têm renda suficiente para declarar o IR.

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Ainda não há consenso sobre a duração da atual turbulência. Para alguns analistas, essa é deixa para outras intempéries (outros rebaixamentos dos Treasuries, os títulos da dívida dos EUA, ou a acentuação da crise na Europa). Para outros, foi uma segunda-feira horrorosa, mas os próximos dias não serão tão terríveis.
Independentemente da duração da atual tempestade, eis alguns pontos em que o Brasil – e o restante do mundo – pode se contagiar com as crises norte-americana e europeia.

- Commodities em baixa: “commodity” é o termo usado para designar, de forma genérica, produtos básicos fortemente negociados no mercado internacional. Petróleo e minério de ferro são dois desses produtos – e são justamente os carros-chefes de Petrobras e Vale, as duas maiores empresas do País. “Com o mundo crescendo menos, a demanda por commodities tende a cair”, diz Rafael Bistafa, economista da Rosemberg & Associados. E disso decorre o restante: menos exportações, menos atividade econômica, menos empregos. Também a soja é uma commodity – e ela é um dos principais produtos de exportação do País. Segundo essa lógica, portanto, podem ser afetadas as atividades de alguns dos principais produtos negociados pelo Brasil no mercado internacional.

- Fuga de estrangeiros: muito do forte crescimento que o Brasil exibiu nos últimos anos foi financiado por dinheiro que veio de outros países. Essas aplicações foram feitas, entre outros ativos, em ações de empresas negociadas na BM&FBovespa ou no chamado investimento estrangeiro direto, aquele realizado, por exemplo, para a construção de fábricas. Ocorre que essas aplicações são muitas vezes decididas como forma de diversificação de portfólio dos aplicadores – um fundo de pensão norte-americano que compra títulos e ações de empresas brasileiras faz o mesmo nos EUA, na Europa e em outros mercados emergentes.
Em momentos de estresse, essas entidades tendem a fugir de mercados considerados mais arriscados. O Brasil já está na faixa dos chamados “investment grade”, os países dos quais pouco se espera um calote internacional. Ainda assim, segundo as notas dadas pelas agências de classificação de risco (ou agências de “rating”; dessas, Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch são as principais no mundo), o Brasil é mais arriscado que mercados como Alemanha, Suécia e Canadá. É possível que isso venha a ocorrer – e, mais uma vez, a saída de recursos estrangeiros do País pode, em última instância, significar menos dinheiro circulando na economia. É, portanto, risco de menos investimentos e empregos.

- Câmbio: sobre o câmbio, tampouco há consenso do caminho que ele pode tomar. Nesta segunda-feira de acentuado nervosismo nos mercados internacionais, o dólar valorizou-se em relação ao real. Isso tende a estimular as exportações, o que seria um alívio para empresas que têm o mercado externo como foco principal. Também é um gás extra para empresas do setor de bens de consumo, que cada vez mais concorrem com produtos importados (o dólar desvalorizado, afinal, torna mais baratas as importações, o que estimula a compra de bens que vêm do exterior).
Mas, em meio ao nervosismo desenfreado, não está claro se o câmbio manterá a trajetória apresentada nesta segunda-feira. “Para o Brasil e outras economias haverá uma valorização em relação à moeda americana (...) A sobrevalorização inibiria a exportação de nossos produtos e prejudicaria o mercado interno”, diz Thiago Flores, economista da FF Consult.



- Nova “marolinha”?: Em 2008, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a crise que se instalava no mundo seria uma “marolinha”. O Brasil acabaria sendo um dos países que melhor se sairiam na ocasião: teve o crescimento menos afetado que o de outras nações e saiu antes das turbulências. O que não significa que o País não sentiu o baque: empresas cancelaram investimentos e milhares de pessoas foram demitidas. “Não há país imune”, diz Rafael Bistafa, da Rosemberg.
Os EUA tiveram sua nota de crédito rebaixada de “AAA” (o que seria uma nota 10 em uma escola brasileira) para “AA+” (nota 9,8) pela Standard & Poor’s, empresa especializada em avaliar a capacidade financeira de países e empresas. Era um movimento esperado, o que não diminuiu o ranger de dentes desta segunda-feira: Bolsas de valores registraram declínio acentuado em todo o mundo. Entre os vários sinais que a decisão sintetiza está o de que o mundo deve crescer menos do que se esperava neste ano. Menos crescimento no mundo significa menos mercados para os quais o Brasil pode vender, menos estrangeiros dispostos a aplicar dinheiro no País e menos empresas brasileiras investindo para crescer.
em 2008, por temor de que começasse a crescer o número de clientes inadimplentes, o bancos restringiram a oferta de crédito, tanto para pessoas quanto para empresas. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse na última sexta-feira não acreditar que a situação se repetirá. Mas o cenário só ficará mais nítido nas próximas semanas. Menos crédito significa, por exemplo, menos pessoas financiando um novo automóvel – o que diminui as vendas das montadoras e tende a causar demissões na indústria (foi o que ocorreu há três anos). Significa também menos empresas usando financiamento para aumentar sua capacidade de produção – e, portanto, um potencial de criação empregos interrompido.
- Crédito apertado:
Estes serão apenas os primeiros dias de funcionamento dos mercados financeiros após o rebaixamento; não se pode julgar todo o cenário econômico pelo enorme tombo registrado em uma única segunda-feira (o Ministério da Fazenda chegou a declarar que o fato novo naturalmente deixa os mercados “um pouco mais voláteis, mas isso não é nenhuma tragédia em definitivo”). Neste momento, portanto, todas as análises são prematuras. Apenas nas próximas semanas será possível saber se estão mais precisas as análises pessimistas ou as otimistas – e o quanto o Brasil será atingido.


As análises sobre a crise:
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FONTE: IG ECONOMIA

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