quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

KHAIR: “ACREDITO QUE O GOVERNO MEXA NAS REGRAS DE APLICAÇÕES FINANCEIRAS AINDA NO PRIMEIRO SEMESTRE”

Entrevista | 06:06

Um dos maiores especialistas em finanças públicas no país e ex-secretário de Finanças de São Paulo, o economista Amir Khair acredita que o governo ainda tem “muita bala na agulha” para enfrentar a crise mundial e garantir um crescimento maior em 2012

No entanto, vê como medida fundamental enfrentar a “distorção” entre a taxa básica de juros e as taxas praticadas pelo mercado. Apenas reduzir a Selic, cortar despesas e garantir o superávit primário, segundo afirma nesta entrevista ao Poder Econômico, é pouco. Khair alerta ainda para as – boas – conseqüências de um país com juros de um dígito: “Acredito que o governo mexa nas regras de aplicações financeiras ainda no primeiro trimestre”.

Poder Econômico – Qual análise sobre o anúncio pelo governo de corte de R$ 55 bilhões no Orçamento?

Amir Khair – Tecnicamente, o governo precisa fazer o corte. O tamanho vai ser definido no decorrer do ano de acordo com a arrecadação, com a receita projetada para 2012. Ou seja, o corte pode ser maior ou menor. Essa calibragem é importante para o cumprimento do superávit primário [3,1% do PIB, segundo meta do governo]. Eu acredito que o governo vá cumprir o prometido. Conheço a equipe econômica e sei que, se seus integrantes falam que vão cumprir, vão cumprir.  O mais importante, porém, é a meta de resultado nominal, aquele que inclui os juros. Não levar em conta os juros é tapar o sol com a peneira. Os juros ainda serão pesados esse ano. Aposto que a taxa básica termine o ano em torno de 8%.

Poder Econômico – Mas e a inflação?

Amir Khair – O Ministério da Fazenda e o Banco Central já estão convencidos, só não podem revelar explicitamente, que para estimular o consumo os juros têm menos efeito do que as medidas macruprudenciais. Não é a Selic que controla o consumo. Aos poucos isso vai sendo reconhecido pelos analistas. No momento em que isso ficar mais claro, as taxas de juros para o tomador final cairá. A nossa maior distorção econômica não é a Selic, é a taxa de juros ao consumidor.Isso é que vai estimular o crescimento e, logo, ampliar a arrecadação. Sobre inflação: em 2012 a tendência é de preços internacionais comportados. A crise impedirá ampliação de exportações pela China, o mercado americano não comportará aumento de consumo amplo, logo, a inflação de fora não ocorrerá. Por aqui, a inflação é de serviços, taxas administradas e taxas de juros na ponta.

Poder Econômico – Como resolver o descasamento entre Selic e juros de mercado?

Amir Khair – O governo é que manda nos bancos públicos. E pode fazer. O ex-presidente Lula chegou a demitir um presidente do Banco do Brasil que resistiu baixar os juros finais.Sofreu críticas. O tempo mostrou que estava certo. O que determina o lucro do banco não é o juro alto, mas o volume de crédito. O volume aumentou e a inadimplência no Banco do Brasil caiu. Vê o balanço. Está lá. Hoje, pega o ranking. O BB e a Caixa [Econômica Federal] estão se destacando. Tenho dúvida que o governo trilhe esse caminho. Mas precisa afinar os bancos públicos à sua política. Uma medida que seria eficaz é uma política diferenciada de depósito compulsório. O banco que praticar taxas menores tem obrigações menores no compulsório [o montante de recursos que os bancos são obrigados a deixar no Banco Central]. Isso o Conselho Monetário Nacional pode fazer.

Poder Econômico – Como vê as medidas tributárias setoriais?

Amir Khair – São de baixa eficácia. Funcionam um pouco. Mas o impacto é pequeno. O governo tem muita bala na agulha. Ainda pode fazer muita coisa para enfrentar a crise e estimular a a economia. O fundamental é entender que só baixar os juros básicos é pouco. Promover corte de gastos há limite. O governo vai cumprir o superávit primário para atender o mercado. É importante. Mas deve olhar o superávit nominal. Não pode deixar o esforço fiscal ser comido pelos juros e ainda a distorção entre o básico e o mercado impedir o crescimento.

Poder Econômico – Como vê o impacto da redução dos juros nas aplicações financeiras?

Amir Khair – Vão ter que mexer. Isso o governo está vendo. É o caso da poupança, das aplicações de renda fixa. Não pode deixar que os investidores migrem para outras aplicações. Acredito que o governo mexa nas regras de aplicações financeiras ainda no primeiro semestre. Mas tudo tem que ser articulado. O governo não pode cometer o mesmo erro do ano passado, quando segurou as macroprudenciais até setembro. O estrago já estava feito. Agora há a imposição de um crescimento de 4,5% do PIB este ano. Não podemos crescer 2,8%, o mesmo que um Estados Unidos em plena crise. Nós estamos mal pra burro. Acredito que a presidente Dilma não deixará que isso se repita em 2012.



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