sábado, 23 de fevereiro de 2013

MICROCRÉDITO PARA EMPREENDEDORES


Microcrédito estimula crescimento de quem quer investir em negócio próprio

Dinheiro emprestado pelos chamados bancos do povo ajuda brasileiros que desejam trabalhar por conta própria.


Sair do anonimato. Trabalhar por conta própria. Dona Ruth Rodrigues começou a sonhar com isso ainda menina. Já nasceu com talento para a costura.
"Quando você vê a peça pronta você fica alegre. Quando você vê a pessoa vestindo a peça e saindo satisfeita, aí alegra o coração da gente e a gente quer continuar melhorando, fazendo mais", diz a modista Ruth Rodrigues.
E ela fez muito, trabalhando 12, 13 horas por dia. Sempre no quartinho dos fundos de casa em Diadema, na periferia da Grande São Paulo. Até que um dia, junto com a filha, virou o jogo para sempre.
Há cerca de três anos, dona Ruth e a filha resolveram abrir uma loja para vender as roupas. Mas o dinheiro era curto e tudo o que elas conseguiram foi montar um box, de seis metros quadrados, no centro comercial. Mal cabia roupa, balcão, experimentador, tudo.
"Nessa loja tem o meu tamanho. E assim, quando a gente tem um problema, aqui mesmo ajusta, já saio com a minha mercadoria de acordo com o meu tamanho”, conta a freguesa Nadir Garcia.
"A gente começou a trabalhar sob medida. As pessoas vinham, traziam uma entrada, e aí com aquela entrada, a gente fazia a roupa da pessoa. Quando entregava, ela pagava o restante e a gente trabalhava com aquele valor”, explica a lojista Aline Rodrigues.
Mas nunca sobrava o suficiente para instalar e equipar uma loja pra valer. Só deu certo quando fizeram empréstimo no banco.
O primeiro empréstimo que fizeram foi de R$ 500. “Deu para fazer bastante coisa. Para quem não tinha nada, já foi muito.", lembra.
Esse pouquinho que vale ouro é dinheiro emprestado por bancos especializados em microcrédito - os chamados Bancos do Povo. O Crédito Solidário, do qual Aline faz parte, reúne empreendedores em pequenos grupos para estimular a parceria. Aqui, todos se comprometem com o pagamento das prestações, se, por algum motivo, um dos participantes não puder quitar.
"É isso o que a gente deixa bem claro na reunião, é o compromisso. E isso o pessoal tem bastante. Principalmente aqueles que têm restrição no nome. Esses que são as pessoas mais assíduas, são aqueles que pegam e pagam em dia”, conta a agente de crédito Carla de Jesus.
E a lojista Kelly Palazan acredita que isso dá mais segurança. “É melhor do que você ir pegar um empréstimo sozinha”, diz a lojista.
Kelly e o marido têm uma pequena loja de artigos religiosos, nos fundos de uma galeria, no centro de Diadema.
A sacoleira Maria Angélica da Silva é revendedora de roupas de cama, mesa e banho. Aceita encomendas, tem vendedoras que vão de porta em porta e também promove os produtos em reuniões com amigas do bairro. No Natal de 2012, pegou R$ 1.000 de empréstimo para comprar um estoque maior.
Angélica afirma também que vai continuar pegando esses empréstimos. “Vou continuar, porque eu quero crescer. Eu quero ver se eu consigo montar uma grande empresa para mim. Trabalhar, para ter as vendedoras e uma loja para mim mesma. O que eu quero fazer é parar de trabalhar em reuniões, mas vender numa loja. Montar uma loja pra mim”, conta.
As mulheres lideram o mundo do empreendedorismo. Metade dos negócios gera renda mensal de dois a três salários mínimos. E apenas 25% já começam como empresa registrada. A informalidade é a porta de entrada para a maioria. Gente com vontade de trabalhar, mas sem um centavo de capital próprio.
"Elas vão precisar de um empurrão aqui, outro ali, vão precisar melhorar os seus negócios, buscar outras qualidades, e isso vai permitir que elas cheguem muito longe", explica o diretor do Crédito Solidário Almir da Costa Pereira.
O comerciante José Elnir Rodrigues da Silva, único homem no grupo batizado de "mulheres conquistadoras", é um caso desses. Com o nome negativado, ele só voltou a fazer planos depois de descobrir esse sistema de empréstimos.
"Como me salvou. Chegou como socorro imediato mesmo, porque através desse microcrédito é que eu dei uma reerguida, na verdade", conta o comerciante.
José reforma e revende eletrodomésticos descartados. Tem uma loja e também faz consertos a domicílio, em toda Diadema e vizinhança. O objetivo é aumentar bem o negócio. "Eu tenho planos de colocar pelo menos dois carros na rua, ter uma equipe trabalhando na rua”, planeja o comerciante.
Confiança no futuro. Este é o resultado mais concreto do suporte que o grupo dá ao empreendedor individual. A cabeleireira Jeane da Silva que o diga: quando a sociedade com a irmã acabou, ela ficou com apenas a metade do salão, e não tinha como se reerguer sozinha.
"O meu primeiro empréstimo foi de R$ 800. Aí, com esses R$ 800 eu comprei uma cadeira, usada, bem velhinha", lembra a cabeleireira.
Comprou a cadeira, fez um novo estoque de produtos, quitou prestações atrasadas e aproveitou para investir na propaganda. Com 100 mini-panetones, numa véspera de Natal, ela começou de novo. "Eu dava os panetones, dava o cartãozinho, e fui fazendo uma clientela fiel. E o que acontecia? Uma cliente indicava outra, eu dava uma hidratação. Chegava o aniversário da cliente, eu dava uma escova” Tudo idéia de Jeane, que diz gostar bastante de ler. “Aí, lia os grandes empreendimentos, e pensava ‘o que eu posso fazer?’. Se eles oferecem champagnes para clientes deles, eu vou oferecer mini-panetones, porque é o que entra no meu orçamento e eu trabalho em um bairro que é simples", completa.
Até a filha acabou adiando os planos de estudar medicina porque já tem trabalho.
Radhleen Lopes da Silva, filha da Jeane, ganha seu salário no salão da mãe. “Minha mãe paga direitinho. Tudo o que fizer, ela tira o produto, e o resto é meu”, conta.
O marido, Eliseo Medeiros, que é metalúrgico durante a semana, nem consegue mais descansar. "Fim de semana ele rala junto comigo igual um escravinho”, conta Jeane.
"Elas gostam quando eu lavo o cabelo, tanto é que elas pedem às vezes pra minha esposa para que eu lave o cabelo delas. Então, eu acredito que eu esteja agradando.", revela Eliseo.
É tanto capricho, que Jeane já garantiu o que é mais sólido nesse tipo de negócio: a fidelidade da clientela.
"Um dia eu mudei pra outro salão mais perto de casa, a menina foi fazer as luzes e colocou uma touca térmica pra andar mais rápido, danificou o meu cabelo. Aí eu percebo que não vale a pena mudar”, conta a dona de casa Edinete Reis Santos, que afirma ter confiança no trabalho de Jeane.
Não demorou muito para o espaço na garagem da casa alugada ficar pequeno. O próximo passo é ter o próprio imóvel, um lugar onde ela possa fazer o salão dos sonhos. "Que eu quero uma sede própria, eu quero. Se eu posso pagar mil e tanto de aluguel, por que eu não posso pagar o financiamento de uma casa?", planeja a cabeleireira.
E o que será do futuro, Jeane? Ela conta: "Um lugar amplo, com no mínimo cinco cadeiras, cinco cabeleireiros trabalhando para mim, no mínimo três manicures, e vários locais da cidade".

Quem quiser, pague pra ver. Com um passo de cada vez, elas vão longe. Aline e a mãe já estão trabalhando para ampliar a estrutura. Querem ter certeza que podem lançar uma marca exclusiva.
"Nosso foco agora é a oficina, para a gente poder comprar máquina, investir no tecido, contratar mão-de-obra, porque o que minha mãe faz já tá sendo pouco, porque a gente precisa de mão-de-obra pra trazer mais, pra vender mais, pra comprar mais”, diz Aline.
A empresa realmente cresceu.


Edição do dia 22/02/2013
22/02/2013 23h23- Atualizado em 22/02/2013 23h52

FONTE: GLOBO REPORTER

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