segunda-feira, 6 de outubro de 2014

LUCROS COM QUEM GANHA CENTAVOS POR DIA





Multinacionais aprendem a lucrar com quem vive com alguns centavos por dia



Por NYT - Stephanie Strom |

 
            

Grande empresas entendem que não basta simplificar um produto para entrar em mercados como o da Índia


NYT
Jyothy Karat/The New York TIme
Funcionário da GE trabalha no estúdio do Wipro GE Healt­hcare­, na India

Quando os engenheiros da General Electric daqui decidiram desenvolver uma incubadora mais barata para os pequenos hospitais privados da Índia, primeiro substituíram as grandes rodas de borracha, padrão nos modelos topo de linha, por outras menores, de metal. Achavam que essa era uma maneira rápida e fácil de cortar custos.
 
Mas as rodas não passaram no teste de uso. Elas se prenderam no piso irregular dos centros de saúde rurais, derrubando bebê e colchão. Felizmente, era só uma boneca.
 
"Não dá simplesmente para simplificar um produto e substituir peças caras por outras mais baratas", diz Vikram Damodaran, diretor de Inovações em Cuidados de Saúde da Wipro GE Healthcare, localizada na Índia. "O negócio tem de vir de baixo para cima, com informações obtidas de pessoas que realmente o utilizam".


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Essa é a lição número um no desenvolvimento de produtos para consumidores que vivem com poucos centavos por dia em lugares como a Índia.
REUTERS/Anindito Mukherjee
Com o Android One, o Google espera diminuir as barreiras de hardware, software e conectividade que existem em mercados emergentes

Durante anos as multinacionais tiveram pouco interesse em consumidores de baixa renda, acreditando que não ganhariam muito com eles; agora, estão cada vez mais atraentes para todos os tipos de empresas, desde indústrias de manufatura até companhias de tecnologia. O Google, por exemplo, acaba de anunciar planos para vender uma versão reduzida e mais barata do seu telefone Android na Índia.
 
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Dez anos atrás, C.K. Prahalad, professor de Administração na Universidade de Michigan, em seu livro "The Fortune at the Bottom of the Pyramid" (A fortuna na base da pirâmide) detalhou esse potencial, alegando que essas famílias eram tão exigentes quanto as que se encontram no outro extremo do espectro de renda.

Prahalad, já falecido, estimou que houvesse 4 bilhões desses consumidores em um mercado de US$ 13 trilhões.

"As pessoas diziam, 'Dá para ganhar uma fortuna. Vamos lá'", afirma Mark B. Milstein, diretor do Centro da Empresa Global Sustentável da Universidade de Cornell.
Mas os primeiros esforços falharam.
"Não havia muita análise sobre o que esses consumidores precisavam ou queriam, ou como poderiam ser diferentes dos consumidores de maior renda", diz Milstein.



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Durante anos, a P&G tentou vender um sistema de purificação de água – um pó para adicionar à água que é depois coada em um pano. Apesar de ser muito barato, os consumidores não sabiam como usá-lo. A P&G percebeu que ensinar os consumidores a usar o produto era muito caro, e o sistema, chamado Pur, acabou virando um esforço totalmente filantrópico.

"Muitas vezes, um produto que para nós é muito simples, pode ser totalmente desconhecido para os consumidores nesse mercado. Se uma dona de casa nunca usou um sistema de purificação de água antes, ela pode questionar a necessidade de seu uso", analisa Milstein.

Os desafios foram muitos. A distribuição de mercadorias para inúmeras lojinhas que abastecem os consumidores indianos mais pobres, por exemplo, é bem diferente da utilizada pelo Walmart ou por lojas de conveniência, que possuem tecnologia e armazéns para controlar o estoque. O comerciante indiano médio não tem nenhum espaço para armazenamento e pode ser considerado um sortudo se possuir uma calculadora.

Jyothy Karat/The New York TImes
Na Índia, a GE testou um novo modelo de incubadora e aprendeu que não basta simplificar os produtos para mercados de baixa renda

As empresas muitas vezes se esquecem de considerar se os consumidores querem ou precisam de um produto cheio de apetrechos. Um telefone com uma câmera embutida, por exemplo, faz pouco sentido para uma família que não tem acesso à Internet e não pode compartilhar fotos.
 
 
 
 
Determinar preços também pode ser um fator de complicação. "Se usamos 8 gramas de chá para fazer quatro copos, uma pessoa pobre usará a mesma quantidade para fazer sete ou oito copos", ensina D. Shivakumar, diretor executivo de Negócios da PepsiCo. na Índia. "Se você não entende isso, suas projeções de lucros e perdas estão erradas".




Problema é de dinheiro, não de fluxo de caixa


Shivakumar afirma que as empresas muitas vezes se preocupam demais com a pequena quantidade de dinheiro que os consumidores pobres têm para gastar e com isso desenvolvem produtos que se ajustem a esse orçamento. Em vez disso, diz, é importante determinar como despertar seu desejo por um preço viável.


"Eles não têm problema de dinheiro. O que têm é um problema de fluxo de caixa", analisa Shivakumar, que administrava os negócios da Nokia na Índia, no Oriente Médio e na África antes de ingressar na PepsiCo.

A versão mais barata do sistema de purificação de água Pureit custa US$ 25, ou quase o mesmo que a renda mensal de uma pessoa que vive abaixo da linha de pobreza na Índia. Mesmo assim, o produto é um sucesso porque seu fabricante, a Hindustan Unilever, percebeu que poderia se juntar a grupos sem fins lucrativos e instituições de microfinanciamento interessadas em água e saneamento para desenvolver planos de parcelamento que permitiriam às famílias pagar por seu Pureit em parcelas.
Muitos produtos transcendem seus mercados originais e atraem o consumidor mais abastado. A PepsiCo, por exemplo, começou a vender a Kurkure, linha de salgadinhos de estilo indiano de baixo custo, no Canadá e no Oriente Médio. É a primeira vez que a empresa vende um produto puramente indiano fora da Índia.



Baixo custo

Para a Nokia, o truque era convencer fornecedores de componentes a reduzir os preços.
"Para comercializar telefones com preços abaixo de US$ 40 é preciso ter uma escala de produção poderosa o suficiente para negociar o preço dos componentes e ajustá-lo ao preço final", explica Sami Ranta, vice-presidente da linha de telefones populares da Microsoft, que detém a Nokia. "É preciso também vender um monte de aparelhos".


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Assim nasceu o Nokia 105, o minúsculo celular usado por Rajesh Gupta, motorista de táxi em Varanasi, e mais legiões de outros indianos vivendo em favelas. O telefone, que Gupta comprou por US$ 20, mais ou menos sua renda da semana, tem um teclado impermeável, lanterna, despertador e rádio FM.

A carga da bateria dura 35 dias em standby e suporta mais de 12 horas de uso, o que significa que ele precisa pagar pela recarga apenas uma vez por mês. Gupta utiliza um chip pré-pago.
"Ganho mais dinheiro por causa desse telefone", diz, explicando que os turistas estrangeiros podem ligar para ele quando precisam.

Jyothy Karat/The New York TImes)
Shyam Rajan, chefe de tecnologia da Wipro GE Healthcare: empresas desenvolvem produtos na Índia para o mundo
Agora, a Nokia está vendendo o 105 na Áustria, Grã-Bretanha, Dinamarca, Suíça e outros países desenvolvidos, bem como por toda a África e Ásia.
 
"Esses celulares estão tendo cada vez mais utilização como telefone secundário em mercados grandes e avançados", diz Ranta.
 
A GE percebeu há mais de uma década que produtos desenvolvidos para o mercado indiano também interessam aos mercados mais desenvolvidos e instalou seu maior centro internacional de pesquisa e desenvolvimento aqui. O laboratório tem 4.500 engenheiros, 1.600 dos quais trabalham em inovações de cuidados de saúde.
 
"Está ocorrendo uma mudança", afirma Shyam Rajan, diretor de Tecnologia da Wipro GE Healthcare. "Antes, estávamos na Índia para a Índia. Hoje, estamos na Índia para o mundo".

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