sábado, 11 de outubro de 2014

NÃO ACREDITO EM EDUCAÇÃO FINANCEIRA



"Não acredito em educação financeira"


Por Bárbara Ladeia - iG São Paulo |
               

Dan Ariely, especialista em economia comportamental e psicologia, explica como tomar melhores decisões e diz que as pessoas não evoluíram na relação com o dinheiro


A dieta sempre fica para segunda-feira, a poupança sempre para o mês que vem e a aposentadoria é sempre uma meta para o próximo ano. Por que simplesmente não conseguimos cumprir nossos objetivos e fazer o necessário para uma vida financeira mais segura?

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Dan Ariely, professor de psicologia e economia comportamental da Duke University, dos Estados Unidos
Dan Ariely, professor de psicologia e economia comportamental da Duke University, dos Estados Unidos, explica a razão de adiarmos nossas decisões. O especialista entrou nos estudos e observações do comportamento humano após se recuperar de uma explosão, da qual saiu com 70% do corpo queimado. Enquanto se tratava passou, a notar que frequentemente não tomamos as melhores decisões e nem sempre estamos com objetivos e atitudes alinhadas. Hoje, especializado em economia comportamental, desenvolve projetos em diversos países testando ferramentas para controlar melhor a mente e o bolso.
 
Em entrevista exclusiva ao iG, Ariely ensina como buscar mais coerência entre os nossos desejos e as nossas atitudes. 
 
O especialista também conta porque não acredita em educação financeira. Autor dos dois best sellers “Positivamente Irracional” e “Previsivelmente Irracional” – ambos da editora Campus –, Ariely sinaliza que frequentemente tomamos decisões com altíssimas cargas emocionais, mesmo quando o assunto é dinheiro.


Por que é tão mais difícil lidar com dinheiro?
Somos desenhados para conviver com outras pessoas. Ser social é o que fazemos desde os primórdios da humanidade. Considerando este histórico, nossa relação com o dinheiro ainda é algo tão recente que não conseguimos evoluir satisfatoriamente nesse contexto. Também é difícil porque não temos nenhuma habilidade de prever nossa capacidade de adaptação. Quando nos apaixonamos, achamos que vamos sentir aquela explosão para sempre, mas rapidamente essa sensação passa e dá lugar a outro sentimento. Quando perdemos alguém que amamos, achamos que vamos morrer de tanta dor, mas logo nos acomodamos ao novo formato de vida. Também é assim com dinheiro e consumo: antes de conseguirmos um objetivo, acreditamos que nele reside nossa maior felicidade, mas logo nos adaptamos a esse patamar e queremos um degrau acima.


Como fazer para tomar decisões de longo prazo e nos mantermos focados no objetivo?
Há muitas formas de tomar decisões melhores. Tentar tirar a carga emocional é sempre um bom jeito. Pergunte-se o que você aconselharia para uma pessoa em situação semelhante. Isso realmente dá uma visão externa e menos emocional. Procure mirar no longo prazo e, por exemplo, em vez de decidir fumar “só mais um cigarro” ou comer “só mais um biscoito”, procure se perguntar se você está disposto a se comportar daquela forma por toda a vida.
 









Qual o melhor momento para tomar as decisões relacionadas a dinheiro?
Considerando um dia inteiro, é melhor tomar decisões quando você está fresco e pensativo e descansado. Isso acontece, geralmente, de manhã. Com o passar do dia, vamos nos esgotando e fica mais difícil resistir aos impulsos. Esgotados, tendemos a tomar decisões com olhar de curto prazo. Quando tomamos uma decisão com muita antecedência, pensamos de forma ampla sobre a forma como gostaríamos de viver, com olhar de prazo mais long. Nesta situação, você está mais suscetível a tomar decisões coerentes com os seus objetivos maiores. São essas provocações do ambiente que orientam as nossas decisões. Podemos manipular essas provocações para tornar o ambiente mais propício para escolhermos a coisa certa.
 
 
 
Mas qual é o papel da educação financeira, neste caso?
Eu não acredito muito em educação financeira. Acho que é muito difícil ensinar as pessoas a lidar melhor com o dinheiro e se comportar melhor. É muito mais fácil dar melhores ferramentas para as pessoas. Se você pensar no formato de uma carteira eletrônica, ela pode servir muito bem para fazer as pessoas gastarem mais e perderem o controle. Mas também pode funcionar para as pessoas pouparem mais e pensarem melhor. E este é o ponto. Eu prefiro criar ferramentas. Por exemplo, cartões de crédito fazem as pessoas não pensarem no futuro e gastarem mais. Se usarem dinheiro vivo, as pessoas gastam menos.
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Sobrevivente de uma explosão, Ariely teve 70% do corpo queimado





























Você tem desenvolvido ferramentas?
Estamos com um projeto no Quênia, na favela de Kibera. O Quênia tem uma boa infraestrutura financeira em plataformas móveis. Estamos utilizando esse sistema de modo a tornar fácil poupar e mais difícil sacar o dinheiro. Pessoas pobres, quando tem dinheiro, usam com boas aquisições como comida e água. Eles não abusam, mas nos tempos de dificuldade, não têm para onde correr, acabam pegando empréstimos e formando uma bola de neve terrível. Queremos que eles poupem um pouquinho para esses imprevistos. Estamos tentando alguns modelos com mensagem de texto como se fossem dos seus filhos pedindo para que poupem, estamos tentando também um esquema de sorteio no qual a cada depósito damos um valor semelhante em apostas na loteria, para que ele tenha a chance de ganhar um pouco mais. Em outro formato, depositamos um dinheiro na conta do indivíduo e se ele se mantiver poupando, ele fica com aquela quantia e se parar de investir ele vai perdendo esse prêmio inicial. A facilidade de acesso agiliza movimento de deixar um dinheiro de lado, para poupança. São cinco pessoas na pesquisa e cerca de 10 mil pessoas estão poupando.
Estamos nesse projeto há cerca de meio ano. Estamos observando os resultados para ver quanto esses métodos funcionam.


Um projeto como esse funcionaria no Brasil?

Eu acho que isso também funcionaria no Brasil, não conheço a infraestutura de telefonia de vocês, mas tem de ser algo muito fácil e rápido de se fazer, se der trabalho, as pessoas não aderem.

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