terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

ECONOMIA INFORMAL PODE ENSINAR MUITAS LIÇÕES AO MUNDO EM CRISE, DIZ ESPECIALISTA

Para Robert Neuwirth, países deveriam aproveitar o potencial empreendedor dos trabalhadores informais para gerar crescimento

Ilton Caldeira, iG São Paulo | 14/02/2012 05:40


O contingente de 1,8 bilhão de trabalhadores informais no mundo todo, inclusive no Brasil, representa cerca de dois terços de toda a força de trabalho em idade ativa no planeta e movimenta aproximadamente US$ 10 trilhões anualmente, volume abaixo apenas do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, a maior economia do mundo. Mas segundo o especialista americano Robert Neuwirth, que pesquisa o desenvolvimento da chamada "economia das sombras" e tem diversos livros publicados sobre o tema, apesar do seu gigantismo esse segmento não é olhado com a devida atenção pelos governos e instituições de um mundo que atravessa uma grave crise econômica.

Entenda a crise econômica mundial

Governo espanhol reforçará luta contra fraude fiscal e economia informal

Na opinião de Neuwirth, a economia informal pode ensinar muitas lições ao mundo em crise. Para ele, vários vendedores ambulantes e comerciantes envolvidos na economia informal são verdadeiramente empreendedores que tomam riscos, investem capital, pesquisam e conhecem bem os mercados onde atuam. “Os países que encontrarem uma maneira de aproveitar essa forma espontânea de empreendedorismo estarão melhor posicionados para criar uma democracia econômica e para crescer e prosperar”, afirmou.


O especialista Robert Neuwirth: "O mundo nunca será 100% formalizado"
De acordo com ele, por estar associada muitas vezes a um conceito de atividade ilegal, as estruturas formais da sociedade não conseguem ver esse setor como um grande agente da economia mundial e forte gerador de empregos capaz até de, em alguns casos, atenuar impactos negativos da turbulência financeira e gerar um crescimento mais igualitário e sustentável. “A economia informal não é, na sua maior parte, ilegal. Ela é, como no caso da Rua 25 de Março, no centro de São Paulo, composta por pessoas que vendem produtos legais, mas sem uma licença formal para trabalhar”, disse.

"Margem de 30% no varejo é muito alta"

Em entrevista exclusiva ao iG, Neuwirth cita o exemplo da China que, segundo ele, também foi atingida pelos impactos da crise, mas como maior pólo de fabricação do mundo e principal fornecedor de produtos baratos para o mercado informal, conseguiu uma certa estabilidade na economia mesmo em um período de incertezas no cenário internacional.

“A China produz muita coisa que abastece o comércio informal, mas o país não está dirigindo esse mercado. A demanda do Brasil e de outros países com alta carga tributária, é que está impulsionando esse segmento no mundo”, disse.

Para ele, o crescimento da economia e a crescente geração de postos formais de trabalho em alguns países como o Brfasil, não são suficientes para reduzir o poder de fogo da informalidade. “Apesar do forte crescimento na economia formal no Brasil na última década, o setor informal permanece robusto e próspero”, disse. “O mundo nunca será 100% formalizado. Para as pessoas que nunca tiveram acesso ao ensino superior, o comércio informal de rua ainda oferece uma melhor possibilidade de sobrevivência do que os empregos formais criados recentemente”, acrescentou Neuwirth.

Funileiro, cabeleireira e jardineiro saem da informalidade

Qualidade do trabalho melhora para classes mais baixas

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), divulgada no fim de 2011, mostrou que a “economia subterrânea” caiu de 17,7% do PIB em 2010 para 17,2% no ano passado. Em 2003, a participação do setor informal na economia era equivalente a 21% do PIB. Mas apesar da redução em termos percentuais, esse segmento movimentou R$ 653 bilhões no ano passado, algo como o PIB da Argentina e cerca de duas vezes o PIB do Chile.

De acordo com o especialista, economia informal é muito mais aberta e organizada no Brasil do que nos EUA ou na Europa e isso possibilita a inclusão social de dezenas de pessoas. “Em São Paulo houve um esforço muito grande na organização de cooperativas de catadores, por exemplo”, disse. “Em Nova York, moradores de rua podem recolher materiais recicláveis, mas não existe um sistema de cooperativas que lhes permita ter maior alcance e maior poder sobre suas vidas e o produto de seu trabalho”, acrescentou.

A seguir, os principais trechos da entrevista ao iG:

iG:Como o mundo, vivendo sob os efeitos da crise financeira desde 2008, pode aproveitar a força da economia informal de maneira positiva?

Robert Neuwirth: A economia informal não é, na sua maior parte, ilegal. Ela é, sobretudo, como no caso da Rua 25 de Março, no centro de São Paulo, composta de pessoas que vendem produtos legais, apenas em uma forma não registrada e sem uma licença para trabalhar. Quando a economia formal gira fora de controle, ou quando temos o estouro de uma bolha, muitas pessoas se voltam para esta atividade para sobreviver. A pergunta que os governos devem fazer não é como tirar esses vendedores ambulantes e quiosques da rua, mas, em vez disso, pensar em aproveitar o trabalho dessas pessoas para fazer a economia crescer. Isso seria sustentável, e poderia gerar um crescimento econômico igualitário.

iG: Com seus produtos baratos, a China pode ser considerada o grande motor desse mercado no mundo todo?

Neuwirth: A China é atualmente o centro de produção do mundo. E muitos dos produtos vendidos em mercados de rua foram fabricados lá. Mas a demanda vem de fora. O Brasil, por exemplo, é um país de imposto elevado e é a demanda brasileira que está impulsionando o negócio do contrabando que traz mercadorias da China livres de impostos através da fronteira do Paraguai. E essa demanda não envolve apenas produtos chineses. Muitos dos computadores e periféricos, um negócio estimado em US $ 1 bilhão anualmente, que entram no Brasil são produzidos nos Estados Unidos, no Japão ou em Taiwan. A China produz muita coisa que abastece o comércio informal, mas o país não está dirigindo esse mercado. A demanda do Brasil e de outros países é que está impulsionando esse segmento no mundo.

iG: A economia chinesa tem sentido menos os efeitos da crise, em parte por causa desse possível ganho com a informalidade no mundo todo?

Neuwirth: Sim. Eu diria que o fato de o setor industrial da China estar envolvido na economia informal deu-lhe alguma resistência durante a crise financeira. Milhares de pequenos fabricantes chineses foram obrigados a fechar quando a crise atingiu os EUA e a Europa. Algumas fábricas, entretanto, foram capazes de evitar o fim das suas atividades devido a demanda da economia informal. Então, nesse sentido, estar envolvido na economia informal ajudou a estabilizar a economia chinesa.

iG: O modelo informal será a base para a economia mundial?

Neuwirth: Sim, é possível afirmar isso. A história nos ensina que a economia informal é a economia original. Vendedores ambulantes estavam nas ruas muito tempo antes das lojas existirem no mesmo lugar. E, dado que, no total, a economia informal em todo o mundo vale aproximadamente US$ 10 trilhões, ela continua a ter um peso enorme na economia mundial e com grande participação nos fluxos financeiros globais.

iG: No Brasil, a informalidade vem caindo desde 2003, com a forte geração de postos formais de trabalho. Mas mesmo assim, esse mercado movimentou cerca de US$ 650 bilhões em 2011. Qual sua avaliação desse cenário?

Neuwirth: Se a economia informal do Brasil era de US $ 650 bilhões em 2011 ela segue sendo muito forte. O volume de negócios anual na Rua 25 de Março pode ser maior que o de muitas das maiores empresas do Brasil. Muitas pessoas fazem a sua vida a partir desse mercado e dão suporte a essa informalidade gerando postos de trabalho. Assim, apesar do forte crescimento na economia formal no Brasil na última década, a economia informal permanece robusta e próspera.

iG: A geração de empregos formais não é suficiente para reduzir a força da economia informal?

Neuwirth: Não. Por exemplo, como a economia formal cresce, as pessoas têm mais dinheiro, e assim o nível de demanda por bens de consumo contrabandeados através da fronteira do Paraguai tende a aumentar. E temos de olhar para onde os empregos foram criados no setor formal. Para as pessoas com ensino superior, o quadro econômico formal parece talvez menos desagradável agora. Mas para as pessoas que nunca tiveram acesso ao ensino superior, o comércio informal de rua ainda oferece uma melhor possibilidade de sobrevivência do que os empregos formais que foram criados recentemente.

iG: A economia informal deixará um dia de ser considerada uma atividade ilegal ou um lado menos nobre da economia mundial?

Neuwirth: Acho que isso já está sendo considerado e, no futuro, será algo normal. O mundo nunca será 100% formalizado. Ele sempre terá uma economia informal. A questão é como tentar trabalhar com os comerciantes e empreendedores informais. Não pode-se dizer que seja um lado menos nobre da economia. Quando o proprietário de um quiosque em uma favela vende amaciante, é o mesmo produto que é vendido em lojas formalizadas. Os comerciantes de rua conseguem o produto de distribuidores que compram diretamente da empresa que o fabrica. Na verdade, esse fabricante quer que os seus produtos sejam vendidos também nos quiosques. Então eu não vejo como esse negócio é de alguma forma menos nobre do que qualquer outro. A economia formal está quebrada. Pode produzir crescimento, mas não é igualitária ou sustentável. É por isso que o slogan do movimento Ocupe Wall Street “Somos os 99 %" é como uma poderosa acusação. A economia informal é mais ampla. Ela oferece mais oportunidade para as pessoas, especialmente aos que estão na parte inferior da pirâmide econômica.

iG: Quais as diferenças e semelhanças do modelo brasileiro de economia informal comparado com a economia informal na Europa e nos EUA?


Neuwirth: A economia informal é muito mais aberta e organizada no Brasil do que nos EUA ou na Europa. Você não encontra um mercado de rua em massa no centro de Nova York da mesma forma que no centro de São Paulo. Em São Paulo, todo mu2ndo sabe onde encontrá-lo. Em Nova York, este tipo de comércio é subterrânea. Você pode encontrá-lo em Chinatown, por exemplo, mas autoridades são muito menos tolerantes. Além disso, em São Paulo houve um esforço muito grande na organização de cooperativas de catadores, por exemplo. Em Nova York, moradores de rua podem recolher materiais recicláveis, mas não existe um sistema de cooperativas que lhes permita ter maior alcance e maior poder sobre suas vidas e o produto de seu trabalho.

iG: A economia informal está mais imune a crises financeiras?

Neuwirth: Sim e não. Sim, no sentido de que as pessoas muitas vezes podem sobreviver na economia informal quando a economia formal está em crise. Mas também é verdade que a demanda cai quando há uma crise econômica, e assim o valor total das vendas pode ir para baixo na economia informal também. Assim, a economia informal oferece resistência, mas não imunidade.

iG: A sociedade deveria aproveitar o talento empreendedor de quem ganha a vida na economia informal?

Neuwirth: Sim, eu acredito muito nisso. Muitos dos vendedores ambulantes e comerciantes envolvidos na economia informal são verdadeiramente empreendedores. Eles tomam riscos, investem capital e pesquisam o seu mercado. Os países que encontrarem uma maneira de aproveitar essa forma espontânea de empreendedorismo estarão melhor posicionados para criar uma democracia econômica e para crescer e prosperar no século 21.

iG: A Copa do Mundo e as Olimpíadas são dois grandes eventos que também estão no radar da economia informal. Como o Brasil pode lidar com essa questão da economia informal nos dois maiores eventos esportivos que movimentam milhões em vendas de produtos?


Neuwirth: É uma aposta certa que haverá muitos comerciantes de rua vendendo itens relacionados com a Copa do Mundo e o Jogos Olímpicos. Mas mercadorias pirateadas podem, de uma certa forma, funcionar como publicidade gratuita e termômetro de mercado. Então, eu não acho que o governo brasileiro deve tratar isso como um problema. As pessoas que querem os artigos legítimos saberão que os produtos vendidos na rua são pirateados e podem ser de menor qualidade. Quando eu fui pela primeira vez ao Brasil, em 2001, eu queria comprar uma camisa do Flamengo para meu primo. Mas eu sabia que ele ficaria triste se a camisa desbotasse ou encolhesse na primeira vez que fosse lavada. Então eu fui a uma loja oficial para comprar uma camisa que não fosse pirata. As pessoas vão fazer suas próprias escolhas sobre o que eles compram e onde compram. Grande parte dos itens pirateados acaba sendo comprado por pessoas que não podem pagar os altos preços praticados pelos revendedores oficiais. Eu não vejo por que impedir que as pessoas encontrem uma maneira de participar e se beneficiar economicamente com esses eventos.

FONTE: IG ECONOMIA

Nenhum comentário: