Lemann é um dos maiores símbolos do capitalismo
brasileiro – a comparação que mais lhe apraz é com o investidor norte-americano
Warren Buffett, de quem é parceiro e fiel seguidor
“Presidente, estamos aqui para apresentar a
multinacional brasileira do setor de bebidas”. Foi com estas palavras que Jorge
Paulo Lemann iniciou o encontro com Fernando Henrique Cardoso, no Palácio do
Planalto, em junho de 1999. Fosse outro seu autor, a epígrafe poderia soar como
rompante ou mero mote publicitário criado para a ocasião. Naquele momento, não
obstante a fusão das duas maiores fabricantes de cervejas do País – Brahma e
Antárctica –, a empresa que surgia deste barril, a AmBev, ainda estava
praticamente restrita aos balcões brasileiros. Pouco ou quase nada tinha de
multinacional. No entanto, em se tratando de Lemann – enxadrista que já tem
todos os movimentos pensados antes mesmo do artesão confeccionar o tabuleiro –,
certamente aquelas palavras não seriam em vão. Já havia no vasilhame muito mais
cevada e levedo do que os olhos podiam ver. Cinco anos depois, a profecia se
realizava com a associação entre a AmBev e a belga Interbrew, que deu origem à
segunda maior cervejeira do planeta. Mais quatro anos e a companhia chegaria ao
primeiro degrau do ranking, com a compra da norte-americana Anheuser-Busch. O
figurino idealizado para a AmBev veste perfeitamente o seu idealizador. Não
existe, no Brasil, empresário mais multinacional do que Jorge Paulo Lemann.
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Confira o ranking
Os 60 mais poderosos do País Jorge Paulo Lemann personifica
um caso raro, ao menos no Brasil, de simbiose entre o mercado financeiro e a
economia real. Lemann soube, como poucos, transpor a ponte entre estes dois
continentes, quando não caminhando sobre a fronteira. Difícil dizer, aliás, onde
termina o ardiloso financista e começa o arrojado empresário, dono de algumas
das maiores marcas corporativas do mundo. As aquisições da Lojas Americanas, em
1982, e da própria Brahma, em 1989, foram forjadas a partir de operações no
mercado de capitais. Tanto no caso da cervejeira quanto, sobretudo, a rede
varejista, o pedigree de trader de Lemann atiçou o vozerio da desconfiança. Não
faltou quem dissesse que o investidor apenas passaria algumas noites no capital
das duas empresas, o tempo suficiente para conduzir draconianas reestruturações
e prepará-las para a venda. Algumas décadas depois, Lemann permanece onde sempre
esteve. A Americanas não apenas se consolidou como uma das grandes redes de
varejo do país como serviu de proxy para a criação da maior operação integrada
de comércio eletrônico do mercado brasileiro, leia-se a B2W – onde estão
penduradas empresas como Americanas.com, Submarino e Ingresso.com. E a AmBev?
Bem, a AmBev deu no que todos sabem.
A trajetória deste carioca de
sangue e estilo helvéticos – seus pais, suíços, emigraram da região de Emmental
– começa a ganhar forma em 1971. Nesse ano, o talentoso tenista, que chegou a
disputar a Copa Davis tanto pelo Brasil quanto pela Suíça, soltou a mão na
paralela para marcar seu primeiro grande ponto no mercado financeiro. Jorge
Paulo Lemann comprou a Garantia, até então uma acanhada corretora de valores do
Rio de Janeiro. A relação bastante próxima com o Goldman Sachs garantiu a Lemann
funding para alavancar a instituição. Em determinado momento, os
norte-americanos se movimentaram para comprar a corretora e montar um banco de
investimentos no Brasil.
Lemann encampou a ideia, mas apenas a segunda
parte dela. Rechaçou a oferta da Goldman Sachs e montou um dos primeiros
investment banking do País. Lemann e Garantia viraram sinônimos de agressividade
no mercado financeiro – tanto para o bem quanto para o mal. À frente da
instituição, o banqueiro girou a roleta e foi responsável por algumas das mais
bem-sucedidas jogadas nos mercados brasileiros nas décadas de 70 e 80.
Jorge Paulo, como é chamado pelos mais próximos, também fez fama no
mercado financeiro ao criar a primeira grande gestora de private equities do
país, a GP Investimentos. Por meio da administradora de recursos, teve
participações no capital de empresas como Telemar, Gafisa e Playcenter. No
início dos anos 2000, o negócio passou às mãos dos “GP Boys”, como ficaram
conhecidos algumas das crias de Lemann, a começar por Antônio Bonchristiano.
O financista jamais saiu de cena, é bom que se diga. Está nas
entrelinhas de todos os movimentos do empreendedor. No entanto, ao longo do
tempo, o banqueiro e frenético operador do mercado de capitais foi dando lugar
ao consolidador de empresas e artífice de grandes tacadas no mundo corporativo.
Lemann é um dos maiores símbolos do capitalismo brasileiro – a comparação que
mais lhe apraz é com o investidor norte-americano Warren Buffett, de quem é
parceiro e fiel seguidor. Talvez seja também a face mais conhecida do
empresariado nacional no exterior, em razão do porte das operações em que se
envolveu. Sempre ao lado de Marcel Telles e Beto Sicupira, parceiros desde os
tempos de Garantia, Lemann tem se dedicado, nos últimos anos, à montagem de um
valioso colar de ativos da área de consumo.
Em um espaço de quatro
anos, Lemann adquiriu três das marcas mais conhecidas em todo o mundo – um pouco
mais, um pouco menos, todas empresas-símbolo do capitalismo norte-americanos.
Depois da Anheuser-Busch, vieram o Burger King e a Heinz. Total das três
operações: US$ 78 bilhões.
Poucos seguem com tamanho rigor o instituto
da meritocracia. Desde os tempos de Garantia, as empresas de Jorge Paulo Lemann
são conhecidas por oferecer um sistema de recompensas e bonificações pelo
cumprimento de metas extremamente agressivo – assim como são conhecidas também
pelo altíssimo grau de exigências impostas a seus profissionais. No Garantia,
por exemplo, os salários eram inferiores à média do mercado. Entretanto, a cada
seis meses, os funcionários passavam por um rígido processo de avaliação.
Resultados acima das metas garantiam não apenas bônus generosos como a
possibilidade de ingresso na sociedade. Alguns geniozinhos das finanças entraram
para o country club do Garantia com 23 ou 24 anos.
Curiosamente, Lemann
não é o que se pode chamar de um gestor, no sentido mais convencional da
palavra. Seus próprios sócios e colaboradores mais próximos costumam dizer que
ele nunca teve paciência para mergulhar no dia-a-dia de uma empresa e muito
menos nas minúcias operacionais. Lemann enxerga seus negócios a partir da última
linha do balanço. O investidor também destoa de seus pares, notadamente uma
novíssima geração de ricos empresários brasileiros, no quesito exibição. Seu
nível de exposição é inversamente proporcional à fortuna. Entrevistas foram
poucas; aparições em eventuais sociais raríssimas. Lemann não aparece sequer
para anunciar suas grandes operações empresariais. O que tinha para falar está
no livro “Sonho Grande”, lançado neste ano, que conta a trajetória do trio
Lemann/Telles/Sicupira. Reza a lenda que preserva hábitos simples, como andar de
bicicleta pelas ruas de São Paulo – onde estão os paparazzi nessas horas? Mantém
praticamente o mesmo peso da época de tenista – em algumas das episódicas fotos
publicadas na imprensa é possível perceber o fino pescoço sambando entre a gola
da camisa.
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Paulo Lemann é o 33º homem mais rico do mundo, segundo ranking da Bloomberg
AmBev, InBev, Anheuser-Busch, Burger King, Heinz... Afinal, qual
será o próximo passo de Jorge Paulo Lemann? Até em razão das recentes
aquisições, muito se especula sobre o interesse do empresário em grandes grupos
da área de varejo. Já se falou de uma investida sobre a Pepsico. Alguns foram
ainda mais longe – ou mais perto, dependendo da sua posição no mapa
norte-americano – desembarcando em Atlanta. Nos últimos meses, surgiram na mídia
informações sobre um eventual avanço sobre a Coca-Cola, em parceria com Warren
Buffett. O certo é que, por ora, parece difícil que alguém tire de Lemann, dono
de um patrimônio pessoal da ordem de US$ 18 bilhões, o título de homem mais rico
do Brasil. Eike que nos perdoe. Mas se há uma fortuna construída à prova de
idiotas, como o dono da EBX costumava se referir aos seus negócios, é a de Jorge
Paulo Lemann