domingo, 5 de janeiro de 2014

CINEMA NACIONAL: MERCADO & VALORES



Andre Pellenz: Em 2014, cinema deve refletir sobre mercado e valor de comédias

Por iG São Paulo , especial por Andre Pellenz* |
    

Diretor de "Minha Mãe É uma Peça" fala sobre o cenário cinematográfico no Brasil

 
 
2014 não deverá ser muito diferente do ano que agora se encerrou. Vejo isso no sentido positivo, e justifico: em 2013 discutiu-se muito sobre gêneros, número de cópias e a legitimidade artística dos filmes, e estes temas só existem num mercado que tenha uma razoável estabilidade de produção.
 
Estas questões devem retornar com novos personagens em 2014. Pessoalmente acho a conversa de que “só comédia dá certo” um pouco fora de tom, já que é um gênero que sempre fez sucesso (aqui e em qualquer lugar do mundo), e mesmo assim a maior bilheteria brasileira de todos os tempos não tem nada de engraçada (“Tropa de Elite 2”). Vale lembrar que em 2013 diversas comédias, inclusive com “atores globais”, não tiveram bom resultado – ou seja, está longe de ser uma “fórmula” infalível.
 
Divulgação
Cena do filme 'Minha Mãe é uma Peça'
 
 
Fico admirado com a ignorância de gente que coloca as “comédias brasileiras” como se fossem uma coisa só. Quem escreve isso não conhece o mercado, a origem de cada filme e as pessoas envolvidas. Tem muita coisa ruim sim, tem muita coisa igual (geralmente tentativas de se repetir alguma “fórmula”), mas tem muita coisa interessante também.
 
Por outro lado concordo que o drama encontra mais dificuldades para ser realizado e exibido. Em junho vou rodar meu segundo filme, “Restô” (Damasco/Imagem Filmes), em que Cássio Gabus Mendes vive um chef que perde o paladar ao se apaixonar por uma nova gerente. Será uma comédia romântica, porque concebi artisticamente assim, mas se fosse um drama provavelmente teríamos mais dificuldade para filmá-lo.
 
Talvez o drama sofra mais com a concorrência da TV, seja pelas novelas - que exibem diariamente histórias realizadas, temos que admitir, com grande competência – seja pelas séries, que são reconhecidas hoje pelo altíssimo nível de sua dramaturgia.
 
 
Divulgação
Cena do filme 'Minha Mãe é uma Peça'
 
 
Mas é difícil aceitar que o único critério para um filme ser realizado seja seu “potencial de público”. Por isso acredito que as novas linhas de financiamento para os filmes médios são uma ótima notícia, e espero que com novas salas sendo inauguradas cada vez mais o público possa ver filmes de todos os tipos, com lançamentos adequados a cada um. E talvez seja hora do cinema arriscar um pouco mais, como fizeram os canais a cabo ao produzir as séries que hoje tanto admiramos.
 
A discussão sobre cópias envolveu o blockbuster “De Pernas pro Ar 2” e suas 700 salas contra outros filmes ditos “de arte” com poucas cópias. Aqui o erro está no verbo: “contra”. Se o cinema brasileiro conseguiu este espaço nos cinemas, deveríamos aproveitar o fato para abrir mais salas para outros filmes - e acredito que esta demanda existe – e não atacar quem teve cacife para brigar com os eternamente poderosos filmes americanos.
 
Bons filmes, mesmo considerados “difíceis”, podem ter um desempenho satisfatório no circuito, desde que tenham oportunidade e sejam bem lançados, e felizmente estamos vendo o amadurecimento dos distribuidores brasileiros.
 
Goste-se ou não, a distribuição/lançamento é tão importante quanto o filme em si, e se o cineasta e o produtor são parceiros fundamentais, o distribuidor é parceiro de ambos. É assim no mundo todo, inclusive foi na Nouvelle Vague, no cinema independente americano dos anos 70 e até mesmo no Cinema Novo.
 
E chegamos à questão do cinema como arte. Sou um cinéfilo que ama Kubrick, Hirzman, Claudio Assis, Ozu, Woody Allen, Bergman, mas também amo Spielberg, Coppola, Allan Parker, Chistopher Nolan e todos os que fazem do cinema também a maior diversão. Como na música, no teatro e na literatura, o que é uma “obra de arte” para um pode ser uma chatice para outro. É uma linha questionável, e é engraçado ver filmes-pipoca, que eram super comerciais na época em que foram lançados serem hoje considerados obras-primas.
 
O filme que apaixonadamente dirigi, “Minha Mãe é uma Peça”, teve a maior bilheteria do ano, sim, mas também teve rasgados elogios dos críticos mais importantes do país – Luiz Merten, Rubens Ewald Filho, Mario Abbade (de “O Globo”) e vários outros. Porém o que mais importa é que pude ver, em sessões “comuns”, o público não só rindo como também se emocionando, em muitos casos repensando suas vidas e suas próprias famílias.
 
Se isto não é arte, desculpem os leitores, então não sei bem o que é.
 
*Andre Pellenz dirigiu "Minha Mãe É uma Peça", o filme brasileiro mais visto no País em 2013
 
 
FONTE: IG CULTURA

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