quarta-feira, 15 de julho de 2015

TAXIS & SALAS DE AULA





Hoje em dia temos melhores

táxis que salas de aula

                 


TAXI GPS


                                




Cada vez que tomo um táxi, estremeço.

Tento lembrar como eram há alguns anos, e não consigo.

Todos os táxis são, hoje, bem diferentes dos táxis há uns cinco ou dez anos.

A tecnologia os atravessou e nada mais foi como era.




Sei que sobram nas conferências esses modelos comparativos que evidenciam como têm mudado as coisas pela introdução da tecnologia, mas o exemplo dos táxis me parece o melhor possível. Muito melhor que o tão utilizado das salas de cirurgia, dos postos de trabalho, dos carros, dos tocadores de música etc. Muito melhor porque é mais sóbrio, e não responde a nenhuma elite; muito melhor porque aconteceu o que aconteceu, sem que nem sequer o mundo tecnológico tenha proposto especialmente que acontecesse.


Os táxis de hoje são tão diferentes dos de ontem que são quase sua antítese. Não me refiro ao carro, que se modificou sem dúvida com a tecnologia, mas que não produziu nenhuma ruptura significativa para os táxis. É verdade que agora duram mais, são mais baratos, oferecem mais serviços, mais segurança etc., mas não leio na indústria automotiva uma inflexão, produto da tecnologia. Mas, sim, a leio - em mudança - no táxi como instituição social. O táxi como essa instância feita de uma pessoa dirigindo um carro com um objetivo social definido: deslocar-nos pela cidade. Alguma vez alguém inventou o GPS. E queria imaginar o que terá pensado aquele taxista que se encontrou pela primeira vez com esse aparato.


Ele terá subestimado, como é óbvio e até lógico; terá pensado que essa maquininha rudimentar e idiota que não parava de falar e de mostrar mapas precários jamais saberia o que ele sabe, nem nunca na vida seria útil para sujeitos como ele, que sabem de tudo, mas fundamentalmente sabem das ruas, avenidas e cantos da cidade. Terá pensado também que, se talvez aquilo alguma vez pudesse ser algo que valesse a pena, então faltaria muito tempo, muito mais do que o que precisa para morrer; que será válido para seus filhos. E ponto. E tudo isso no hipotético caso de que se tivesse produzido, naqueles amanheceres tecnológicos, o utópico encontro entre um tipo muito pouco inclinado à tecnologia e aquele aparato de tecnologia incipiente.


Ninguém em perfeito juízo teria vaticinado então que a tecnologia das elites redefiniria a configuração de todos os táxis - digamos - cinco ou dez anos depois. Por muitas razões, mas essencialmente por duas. Uma, porque a tecnologia entraria oferecendo valor exatamente no lugar onde o taxista constrói seu valor, e então haveria um choque de trens.


Que um GPS pudesse se colocar no sólido lugar do saber do trânsito e das geografias das cidades que os taxistas detinham sem exceção parecia um absurdo. Esses tipos não se renderão - dizíamos a nós mesmos; não aceitarão desaparecer, e muito menos serem substituídos por umas maquininhas bem baratas. Lutarão e ganharão; eles têm o poder. E dois, porque se ao fim e ao cabo a entrada se produzisse, quem então levaria adiante essa outra utopia de ensinar a esses homens de pouca educação e nenhuma disposição - nada jovens demais - a usar com fluidez a tecnologia em seus carros? Quem poderia se colocar contra essa segunda parede rochosa feita de primatas imigrantes digitais?


Anos depois, aconteceu. E aconteceu sem espalhafatos. Não se conseguiu uma companhia interessada comercialmente em vender GPS, nem tampouco qualquer dessas outras empresas que acabaram entrando nos táxis pela mão dos taxistas. Refiro-me ao Waze - claro -, mas também aos fabricantes de smartphones, de suportes, de carregadores, de aplicativos, empresas de telefonia etc. Os táxis se transformaram porque se transformaram. Não houve capacitações massivas, nem congressos persuasivos, nem promoções especiais, nem pressões políticas ou institucionais. Não houve nada disso que costuma haver - ou que afirmamos que tem que haver - quando se pretende ter esse tipo de transformação, quero dizer. Estou tentando afirmar que se produziu simplesmente pela força de sua pertinência; tudo isso entrou no táxi porque melhorou a vida e a eficiência dos taxistas. Solucionou um problema.


... Mas realmente não sei se é só por isso. Houve também - creio - boa disposição da categoria. Os taxistas foram menos orgulhosos do que pareciam, foram à frente e se apropriaram daquilo que hoje é deles e que, em vez de impugná-los e ameaçá-los, melhora e reforça. Moveram-se bem e se anteciparam. E provaram que se a pessoa relaxa, a tecnologia começa bem, torna-se amigável, integra e soma. Hoje basta vê-los: GPS com Waze com celular com rádio com taxímetro com o aplicativo pelo qual os chamamos com... Tudo em funcionamento constante e simultâneo, naturalmente.


Do GPS foram ao Waze também sem se confundir. Já não lhes importa saber ou não das ruas da cidade; vamos aonde vamos, ele liga o Waze para receber ajuda. E não sente pesar diante de nós, os passageiros, por se valer do Waze; pelo contrário, orgulha-se dela. Depois do Waze, chega agora o Uber, e está havendo uma nova apelação. Esse ponto é difícil, porque em pouco tempo voltam a ser ameaçados de substituição de novo a partir da tecnologia, mas dessa vez por carros particulares com motoristas ad hoc. E outra vez a categoria terá que estar à altura. Jogar o jogo com as cartas limpas e de valor. Teremos que ver.


Digo tudo isso porque me encantaria estremecer tanto quando entro em uma sala de aula da escola. E não consigo. Não sinto a ruptura construtiva que sinto no táxi. Na escola só encontro as marcas do êxito da rejeição. Os professores fizeram o que os taxistas não fizeram, que é rejeitar e negar; e refugiar-se em sua posição histórica do que sabe a informação necessária para fazer essa viagem. O professor não cede - como fez o taxista diante do GPS - ante os fantásticos acervos de saber que povoam a internet e poderiam vir a ocupar o lugar que lhes cabe na aula. Estou falando da Wikipédia, do Google, do YouTube e dos demais. Até quando teremos os professores na frente, rezando suas partituras históricas, sabendo que a um clique temos a Wikipédia para fazer o mesmo mil vezes melhor? Até quando perdurarão os pesados e desatualizados livros de texto? Até quando teremos professores falando mal da Wikipédia e bem deles mesmo como se ainda tivéssemos taxistas alegando que o Waze se equivoca e nada sabe da cidade que eles tão bem conhecem?


Nossa categoria docente não está à altura. Nem sequer seu extrato social mais alto reagiu melhor que sua categoria gêmea de taxistas. É por isso que hoje em dia temos melhores táxis que salas de aula. E continuaremos a ter enquanto isso não mudar.




FONTE:




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Educador e diretor geral, UNOi                                                                      

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